Anna Bella Geiger — Limiar
Individual da artista apresentada no Museu Judaico de São Paulo, jun.-set. 2025
Curadoria em parceria com Priscyla Gomes

A noção de limiar está presente em diversas áreas do conhecimento, evocando a ideia de transição, passagem. Tais atravessamentos, transposições e hibridações — sejam físicos ou metafóricos — são noções centrais para a obra de Anna Bella Geiger.
Geiger (nascida Waldman) é reconhecidamente uma das figuras mais importantes e prolíficas da arte brasileira. Filha de imigrantes judeus poloneses, a artista traz a desterritorialização e os questionamentos acerca dos lugares da ação como parte constitutiva de sua geografia pessoal: uma experiência que abre um campo fértil para reflexões sobre a diáspora, o encontro com a alteridade e os modos de se pensar a própria linguagem.

Cartografar e transpor, para a artista, é fazer da geografia um lugar da arte. Geiger possibilita, por meio de um traçado imaginário de meridianos e paralelos, uma reflexão sobre o regional, o local e o global, o presente e o passado, o interior e o exterior, o eu e o outro. Muitos de seus trabalhos tratam diretamente da complexa noção de espaço, ora subvertendo convenções cartográficas, ora tensionando imaginários que organizam hierarquicamente o território e a sociedade.
Anna Bella Geiger — Limiar apresenta cerca de sessenta trabalhos e fotografias documentais sobre a prática docente da artista em que se desdobram cinco grandes eixos conceituais: espaços, criação-proposição, linguagem, desterritorialização-transposição e imaginação política. A trajetória de Geiger, iniciada nos anos 1950 e ainda intensamente fértil, é explorada de maneira transversal entre esses eixos, evidenciando recorrências temáticas, o emprego de múltiplas linguagens, a exploração de espaços compartilhados para experimentação e o constante questionamento do estatuto da obra de arte e de seu papel político. A exposição busca explorar tais passagens e limiares na vasta produção da artista por meio de trabalhos emblemáticos de diferentes períodos — de 1962 a 2025.


A mostra se abre com a série Situações-limites na qual, sob fragmentos fotográficos em preto e branco, a artista replica a frase manuscrita “A imaginação é um ato de liberdade”. Criados em 1974, no auge da ditadura civil-militar, esses trabalhos ecoam a repressão e o autoritarismo de então e insinuam um novo porvir. A atualidade da obra se reafirma ao nos convocar, hoje, a imaginar futuros comuns sobre esta Terra.
Ao explorar as mais distintas linguagens em sua obra, Geiger propõe jogos de invençãocriatividade, convidando o espectador a refletir sobre o mundo que o cerca e sobre a nossa capacidade de imaginar novas realidades. Primeira individual da artista realizada em um Museu Judaico, os limiares sugerem também potentes conexões com a história e a cultura judaica, incluindo as noções de polissemia e trânsito cultural. A exposição Anna Bella Geiger — Limiar nos convida, por fim, a um exercício de imaginação política urgente e desafiador em tempos de crise. Limiar esse que, sugere a artista, só poderá ser transposto em constante movimento.














fotos: Filipe Berndt