Mariana Leme
exposições 
<
<<


Desenhos são como sementes debaixo de tudo
Individual de Nydia Negromonte
Centro Cultural Unimed-BH Minas, set.-nov. 2024

Debaixo de tudo

Algodão, papéis diversos, pinhas, hortaliças, argila, água, guache, fotografias, um antigo livro didático, ferrugem, o tempo, o ar. Esses são alguns dos elementos que compõem a exposição de Nydia Negromonte, cujo trabalho nasce de um profundo interesse pelo mundo que a cerca. A artista experimenta, observa os fenômenos e as mudanças em curso, cria novas configurações e desconfia delas — há mais de trinta anos.  

Desenhos são conjuntos, segundo uma das definições normativas do dicionário: uma cadeia de montanhas, as sombras projetadas. São também a expressão de um devir, como sementes: o nascimento de alguma coisa — qualquer que seja ela — em estado de potência. Mas as mudanças são impossíveis de ser antecipadas por completo; os desenhos-devires estão debaixo de tudo, à espera de algo.

Somos recebidos por dois retratos de uma jovem mulher, sentada à mesa. Num deles, ela nos observa com o lápis na mão; no outro, olha para baixo. Será que desenha nosso semblante? Anota suas impressões?



Na exposição, há desenhos de espirais e sombras coloridas. Outros são feitos com a acumulação de papel translúcido, criando relevos ao mesmo tempo sutis e imponentes. Recortes de uma antiga fotografia desestabilizam a cena, em que se vê duas crianças, dois adultos, um enorme coelho e as peles de outros. Finalmente, não se vê mais ninguém naquele cenário. Num segundo slide-matriz, vemos as pessoas numa praça e igualmente a colagem de fragmentos altera a disposição dos elementos, criando histórias insólitas. O que existe é a impermanência.

Os desenhos — sobre papel, mas não apenas — são também uma espécie de grau zero das coisas: já não as representam, mas extraem delas algo de fundamental. Uma forma, um espaço negativo, um volume de ar. Outro desenho é formado por centenas de pinhas, como um corpo estranho. No espaço da galeria parece se formar um inventário de mundo, que resulta num equilíbrio delicado entre os materiais que se tocam, entre as superfícies e o ar, entre nós e os objetos.

Há alguns anos, a artista deparou-se com uma série de livros didáticos dos anos 1960 e percebeu que, em seu trabalho, já havia respondido muitas das questões colocadas ali. O pequeno cientista foi escrito por Maria Blandina M. de Melo e por Elza de Moura, essa última, vizinha do ateliê de Nydia. Às crianças, elas propunham que observassem o mundo e que desenhassem: coisas quentes, coisas frias, água aerada depois de ser fervida, um dia de ventania.

Assim como o ar e a água, os trabalhos de Nydia Negromonte são, ao mesmo tempo, genéricos e específicos: todos os rios e oceanos são feitos de água, mas cada um é particular. Na verdade, há um sistema de relações impermanentes e é impossível captar o momento exato de seu começo. Mas a semente está lá.








fotos: Daniel Pinho