Pedro Figari: nostalgias africanas
texto para o catálogo da exposição, MASP, 2018

Pedro Figari: nostalgias africanas
Para mim, pouco ou nada importa o que se faça em caminho alheio; é no sulco próprio que devemos semear, para que seja nosso e legítimo o fruto. [...] Ah, se eu pudesse plasmar, segundo vejo e sinto, o poema todo americano! — Pedro Figari[1]
1. A grafia da memória
A exposição Pedro Figari: nostalgias africanas apresenta uma seleção de obras que retratam as populações afro-uruguaias a partir das lembranças do advogado, político e artista uruguaio, e empresta o título de uma de suas pinturas. Figari representa a população negra de seu país com a dignidade da vida cotidiana, em cenas singelas que, no entanto, revelam a complexidade dos modos de vida daquelas pessoas. Nos cartões que pintou, figuram indivíduos que dançam candombes e bailongos, convivem nos pátios das moradias coletivas ou realizam cerimônias fúnebres tradicionais; há brigas, beijos, cozinheiras descansando, visitas indo embora da casa, missas, luas de mel, passeios no campo, e o esforço para descer um caixão pela escada.
É um tipo de pintura diáfana, desfeita, como se registrasse não só os personagens concentrados em seus afazeres, mas a própria fluidez da memória; pintura “impermeável aos dados exteriores, às mudanças e às influências”, nas palavras da crítica e historiadora da arte Marta Traba (1930 -1983), figura fundamental para o estudo da arte latino-americana.[2] Sobre cartões porosos, as pinceladas rápidas criam uma atmosfera de movimento e sonho; de nostalgia, como diz o pintor. Há uma distância temporal entre os fatos e seu registro, e Figari não está interessado em detalhar semblantes ou criar uma narrativa bem-acabada do passado. Na verdade, a fatura de suas pinturas apenas sugere algo que passou, e que se rememora através delas. Ali, a própria memória se confunde e cria novas histórias, num movimento vacilante entre os gestos e as narrativas. São indícios que fazem cintilar aspectos de um passado afro-uruguaio e que fortalecem o caráter nostálgico do presente, em que se sonha com uma época feliz e harmoniosa, que muito provavelmente nunca existiu.[3]
A ideia de um passado capturado através das pinturas de Pedro Figari — tanto a partir do tema quanto em sua maneira de pintar — foi apontada por diversos comentadores de sua obra. Um historiador uruguaio, por exemplo, relata um diálogo entre Figari e o crítico Jules Supervielle (1884 -1960) de maneira imprecisa e evocativa, como a própria memória: “Contava Supervielle [...] que um dia disse a Figari: ‘Há uma luz mágica em seus quadros’, a que Figari respondeu: ‘É a luz da lembrança’”.[4] Arturo Ardao (1912 -2003) e Désiré Roustan (1873 -1941), dois escritores fundamentais para a fortuna crítica de sua obra, colocam a questão da memória nos seguintes termos:
Qual arte, melhor que a de Figari, favorece a evocação indefinida das imagens? É toda uma civilizaçãoo que quis salvar. Nos países jovens, os costumes, a organização social, o aspecto das cidades e também do campo, se transformam tão rápida e profundamente; por outro lado, o culto do passado é tão raro, que o esquecimento ameaça enterrar épocas ainda próximas, como aquela vegetação invasora que cobre as cidades abandonadas em certas regiões do Brasil.[5]Ardao e Roustan fazem eco a Jorge Luis Borges (1899 -1986), quando este diz que a “memória é implicação do passado. [...] [e que] somente os países novos têm passado; quer dizer, lembrança autobiográfica dele; quer dizer, têm história viva”.[6] Para Borges, mais que história viva, os países novos teriam uma história permanentemente contemporânea: “Aqui [na América] somos do mesmo tempo que o tempo, somos irmãos dele”.[7]
A ideia de um país novo, cuja população vive no mesmo tempo do seu passado, é precária na medida em que desconsidera todas as civilizações que floresceram em seus territórios antes da chegada do colonizador, mas a imagem — de uma temporalidade equivalente entre os povos e sua história — é muito significativa no sentido da perda, e sugere a fragilidade dessa mesma história. De qualquer maneira, sendo “história viva”, para Borges e para outros comentadores da obra de Pedro Figari, ela correria o constante risco de desaparecer, e então a fixação de sua lembrança parece urgente: “Figari foi pintor de urgência; um pintor impaciente. Soube ser testemunha de algo que se perdia e soube como dar conta da responsabilidade de sua convicção”.[8]
Se as pinceladas rápidas e indefinidas são testemunhos de uma lembrança mais ou menos idealizada, pela própria natureza desse gesto, não há como saber se certas memórias do pintor existiram de fato ou foram imaginadas por ele. Este dado torna sua obra ainda mais fluidae vacilante: ali não está inscrito algo que Figari resgatou, mas é como se aqueles óleos fossem a própria grafia da memória: vacilante, imprecisa, ilusória. É curioso notar que mesmo o artista se confunde quando fala do passado que viveu em Montevidéu. Às vezes, rememora os candombes que via quando criança; outras vezes, diz que não poderia ter presenciado aquelas manifestações culturais. Mas isso pouco importa, uma vez que em sua pintura estão alguns “lampejos”[9] da história e da memória das populações de origem africana que viveram no Uruguai, talvez até mais significativos que um documento ou um registro fotográfico da época.
Numa entrevista de 1926, Figari fala sobre seu processo de trabalho a um crítico francês, dizendo que para pintar mergulha em suas lembranças mas que, ao mesmo tempo, nunca viveu aquele passado que rememora:
— O senhor sabe que eu nunca me sirvo de modelos.Mesmo para a paisagem. Tudo o que faço é de imaginação. Eu mergulho em minhas lembranças. [...] Eupinto sobretudo o passado.
— Um passado que o senhor viu, que o senhor conhece...
— Na verdade não. Desde minha infância ele já nãoexistia. Mas estas são as coisas que me contaram,e que realmente mexeram com minha imaginação.[Estão] desaparecidas há muito tempo estas festas camponesas [...], estas velhas casas coloniais, estas danças e enterros de negros, estas núpcias... Mas elas dão à nossa vida uma tranquilidade e um saborextraordinários; há toda uma literatura entre nós que se inspira dessa falta.[10]
Assim, com a imprecisão que é própria da natureza da memória, as vias de acesso a um passado misturam-se, na obra de Figari, através da relação entre dois elementos: de um lado, a história das populações afrodescendentes que viveram no Uruguai, mas que tiveram pouco ou nenhum espaço nas narrativas e imagens oficiais e, de outro, a consolidação dessa história através de camadas soltas de tinta, em cenas rememoradas ou inventadas pela própria memória. A fluidez e a imprecisão dessa relação, porém, não se transformam em inconsistência. Na verdade, tornam-se justamente uma potência, na medida em que o passado jamais pode ser apreendido a partir de uma suposta verdade assertiva e monolítica. Para Figari,
essa função social, quase diríamos cívica, da pintura, como o meio ideal para criar uma representação lendária, algo como uma coleção de falsas memórias comuns a toda a tribo, é uma meta proclamada de seus projetos educacionais e suas teorias sobre a cultura americana.[11]
Em outras palavras, a articulação de um passado “não significa conhecê-lo ‘tal como ele propriamente foi’”, na medida em que há sempre uma polifonia de vozes e sujeitos, e que os “fatos” são sempre eleitos como partefundamental de um discurso — para citar o filósofo Walter Benjamin (1892-1940), em cuja obra os temas da história e da memória são centrais.[12] Na verdade, articular historicamente o passado “significa apoderar-se de uma lembrança tal como ela cintila num instante de perigo”[13] — no caso de Figari, talvez o instante em que a história das populações afro-descendentes corria o risco de se dissolver numa memória distante, como se jamais tivessem ocupado os espaços da cidade, com seus candombes, festividades de carnaval e cerimônias fúnebres.[14] Nas palavras de Jules Supervielle: “Em nossos dias [anos1930], os negros são pouquíssimo numerosos em meu país natal. Eles são tão raros que puderam quase todos refugiar-se maravilhosamente nos quadros de Figari”.[15] Por isso, talvez o pintor sentisse a urgência de registrar sua memória e a dos afrodescendentes de seu país, através da pintura das mais variadas cenas que se desenrolaram em Montevidéu: “É que, para Figari, a cidade não era apenas um espaço físico onde se desenvolvia a vida, mas também um espaço de construção política a partir do qual uma comunidade se pensava nocruzamento das temporalidades”.[16]
2. O pintor nato
Em1930, já havia alguns anos que Pedro Figari morava em Paris e que participava dos círculos intelectuais e artísticos modernos daquela cidade, pintando cenas do passado de seu país em pleno boulevard. No entre-guerras europeu, reinava uma sensação de euforia e, nas décadas de1920 e1930, articulou-se também em Paris uma espécie de “cruzamentode temporalidades”.
Naqueles anos, havia um grande interesse, por parte dos artistas e críticos europeus, pela renovação formal da arte a partir de elementos de outras culturas, tidas como autóctones, imemoriais e autênticas, como a estatuária africana ou a cerâmica pré-colombiana. Ao mesmo tempo, havia ali uma presença massiva de artistas não europeus ou vindos do leste do continente em busca de um treinamento artístico moderno, vistocomo mais avançado em relação às escolas de belas-artes de seus paísesde origem. Paris era a cidade-mito da boemia e da criação, passagem obrigatória para um pintor, escultor, músico ou escritor em busca de novos experimentos estéticos.[17]
A presença dos artistas latino-americanos era tão expressiva queeles passaram a configurar um grupo, cuja primeira exposição aconteceuem abril de1930 na Galerie Zak. Figari participou com duas pinturas.[18] Em Paris, através do convívio nos círculos modernistas, vários artistas latino-americanos “redescobrem” suas origens e buscam resgatá-las, o que logo atrai a curiosidade dos críticos, entusiasmados com essa produção que, aos olhos deles, estava impregnada de elementos “nativos”.[19] Apresença dos artistas latino-americanos representou, na verdade, um exotismo muito bem-vindo ao olhar europeu. Assim, mesmo que estivessem na Europa justamente para estudar pintura ou escultura moderna, os artistas latino-americanos foram vistos quase como depositários de suas culturas “originais” — ainda que a maioria deles fossem filhos de imigrantes europeus e fizessem parte das elites de seus países, como é o caso dePedro Figari, de origem genovesa. É preciso lembrar, na verdade, que o contato que os artistas latino-americanos brancos tiveram com povos indígenas ou de origem africana em seus países, se é que de fato existiu, foi quase sempre mediado por relações de poder e exploração.[20]
No começo do século 20, intelectuais de vários países procuravam por um resgate de suas “raízes”, dentro de um contexto mais amplo do debate em torno das identidades nacionais e da construção destas. Ao mesmo tempo, as populações nativas e as populações africanas, que haviam sido sequestradas para serem escravizadas nas Américas, continuavam marginalizadas socialmente, afastadas de tal debate e frequentemente perseguidas pelo poder público. É como se fossem de grande ajuda simbólica e formal, ao mesmo tempo que sua presença real representasse uma ameaça à “civilização” e devesse ser destruída ou silenciada. Em outras palavras, para uma discussão mais séria sobre as relações entre arte moderna europeia e culturas africanas ou ameríndias, deve-se levar em conta que as relações de poder entre essas populações eram absolutamente desiguais.
Nesse contexto, a apropriação da estética moderna por parte dos ar-tistas latino-americanos em um centro de poder como Paris, tende a ser vista como uma assimilação passiva ou um desejo de imitar a cultura dominante e assim se integrar àquela sociedade. Por outro lado, quando artistas europeus são influenciados por elementos das mais diversas regiões coloniais, eles são vistos como sujeitos que ativamente selecionam e reinterpretam as fontes originais, dando-lhes um sentido inteiramente novo — por exemplo, Pablo Picasso (1881 -1973), quando pintou suas Demoiselles d’Avignon em1907, com referências explícitas às máscaras africanas. Os latino-americanos, por sua vez, se jamais seriam considerados artistas “originais”, na melhor das hipóteses trariam consigo o frescor das populações “originárias”.[21]
Nesse sentido, o crítico Raymond Cogniat (1896 -1977), colabora-dor ativo dos periódicos parisienses da época, elogia os artistas latino--americanos, misturando as ideias de “origem” e “original”, confundindo civilizações autóctones com a originalidade da forma na arte moderna, em contraposição àquela valorizada pelas academias de belas-artes. Para ele, a arte de “povos originários” seria uma fonte ideal para a renovação da pintura, e, mais que isso, os artistas vindos da América Latina encarnariam em seus próprios corpos as civilizações autóctones dos territórios em que nasceram. Diz Cogniat:
Tornam-se mais e mais numerosos os artistas da América Latina que podem figurar honrosamente nos grupos de vanguarda [...]. A volta para as inspirações originais, o gosto difundido entre nós pelas esculturas negras e por todas as artes primitivas em geral, facilitaram esta eclosão de artistas sul-americanos. Estes têm, com efeito, a grande vantagem de encontrar muito próximas de sua sensibilidade e mesmo talvez em suas lembranças inconscientes, fórmulas muito novas para nós e profundamente originais.[22]
Como se pode notar, tal exotismo não estaria apenas na forma da pintura — muitas vezes parecida com a que os franceses praticavam —, mas também os próprios artistas latino-americanos eram vistos como ingênuos ou como “artistas natos”, como se em suas práticas artísticas não houvesse trabalho, reflexão, pensamento crítico. Em outras palavras, é como se a produção de suas obras fosse tão natural quanto o desenvolvimento de uma planta exótica. O pintor André Lhote (1885 -1962), ao analisar a obra de Figari, chama de “incur-sões a si mesmo” aquilo que Cogniat havia definido, de maneira certamente preconceituosa, a partir da noção de “sensibilidade”:
Ele [Figari] empreendeu a crônica de sua vida interior de pintor nato [...]. Parte, pois, ele também, à procura do tempo perdido, volta destas incursões a si mesmo carregado de pérolas, como um mergulhador deslumbrado.[23]
O crítico francês André Warnod (1885 -1960) é ainda mais explícito: “O que dá valor pictórico às telas de Pedro Figari, ele não poderia ter adquirido em nenhuma escola de belas-artes do mundo: ele o carrega em si”.[24] Por sua vez, o escritor franco-uruguaio Jules Supervielle vê a produção de Figari com um pouco mais de complexidade, e escreve, em1923, uma carta a seu amigo Valery Larbaud (1881 -1957), em que elogia a exposição de Figari e recomenda a visita. Para ele, ao contrário da maioria dos críticos europeus, a autenticidade não estaria no próprio pintor, mas na temática de sua obra:
Meu excelente amigo Pedro Figari, pintor e correspondente da Nación de Buenos Aires, apresenta atualmente uma exposição de quadros na Galerie Druet, rue Royale número20. Desejo profundamenteque [...] [você] veja as pinturas em que os temas são tão autenticamente sul-americanos e a pintura, infinitamente sugestiva.[25]
3. A pintura das sugestões
O adjetivo “impressionista” foi utilizado para atacar um grupo de artistasdo final do século 19, que se valiam de pinceladas soltas para captar a fugacidade da vida e as impressões da luz, como se sua pintura fosse superficial — no sentido de se esgotar na superfície da tela e não ter profundidade temática ou simbólica.[26] Já no início do século 20, uma pinturade caráter “infinitamente sugestivo” dá a ela um sentido positivo, ao mesmo tempo que a conecta a uma tradição considerada como uma das pioneiras da arte moderna. Esta proximidade formal entre a pintura de Figari e a dos impressionistas não passou despercebida aos vários comentadores da obra do artista, embora haja uma diferença sutil entre impressão de luz e impressão de memória. Ou seja, há, de um lado, o desejo dos artistas europeus em capturar um instante do presente que, em meio às mudanças da vida moderna, se dissipa cada vez mais rapidamente (como a luz do dia). De outro lado, está a nostalgia de um artista latino-americano em seu movimento de capturar instantes de um passado que já se dissipou, e do qual só restam vagas lembranças. As palavras de Marta Traba são eloquentes quando ela trata de estabelecer uma aproximação entre a pintura de Figari com as correntes impressionista e pós-impressionista:
Raramente uma pintura [...] assimila com tal força intuitiva as novidades da concepção e da fatura. Plana, invertebrada, despreocupada com a composição, arbitrária nos cortes, apresentada como episódios ou fragmentos da uma mesma sequência, [a pinturade Pedro Figari] só é tecnicamente comparável coma de [Pierre] Bonnard [1867 -1947], pela mesma delicadeza e fraqueza da pincelada, que parece impotente para articular o traço.[27]É possível comparar a pincelada de Figari àquela vacilante de Bonnard ou, mais ainda, de Berthe Morisot (1841 -1895), em que a forma quase desaparece. Na obra dos franceses, porém, permanece o interior burguês, com figuras de seu círculo íntimo — às vezes num interior mais explícito, como é o caso de A princesa Bibesco (circa 1920), de Édouard Vuillard (1868 -1940), às vezes numa espécie de paisagem, como o jardim da casa deMorisot. Mesmo uma pintura que retrata um grupo de trabalhadores, numa cena ao ar livre, o Déjeuner des canotiers [Almoço dos barqueiros] (1880-81), de Pierre-Auguste Renoir (1841 -1919), apresenta seus personagens numa atmosfera construída para denotar o lazer da pequena burguesia.
Ao contrário desses exemplos, Figari parece diluir ainda mais a forma e, com isso, criar um ambiente mais verdadeiramente comunitário, onde talvez nem sequer exista a configuração social burguesa. Em sua obra, a vida em grupo ganha um protagonismo fundamental, através de diversas composições reforçadas pelas pinceladas soltas, em que todas as coisas recebem o mesmo tratamento pictórico, dissolvendo hierarquias.
Em Cambacuá (circa1923), por exemplo, tudo parece ser feito da mesma substância e estar num mesmo plano, pictórico e simbólico; nenhuma pessoa é mais importante que outra, e elas, por sua vez, são tão relevantes quanto o grande ombu à direita (esta árvore da região dos pampas), ou o sol vermelho que se põe. Dentre outras obras, pode-se notar essa “vocação comunitária” também em dois Candombes de Figari, que trazemum tambor como centro da composição. Nesse caso, o instrumento se mistura com as coisas que o cercam, e tudo se movimenta: pessoas, paredes, tecidos, árvores, janelas e céu, todos construídos da mesma maneira. As composições também reforçam o movimento da cena e a coesão dos personagens: Figari opera cortes bruscos — como na cabeça do segundo músico à direita —, sugerindo que várias outras pessoas dançam na continuidade imaginária da pintura, para além de seu suporte físico.
Talvez seja possível dizer que os pintores impressionistas franceses desafiaram a forma institucionalizada das escolas de belas-artes, mas não ousaram imaginar um estilo de vida que não aquele da burguesia, ainda que às vezes empobrecida. Os personagens de Figari — desfeitos, borrados e quase sempre numerosos em seus bailes, festas, candombes e cerimônias de enterro — desafiam não só a pintura bem-acabada e sua forma institucional, como a própria norma social imposta pela sociedade colonial uruguaia, sob a égide europeia.
Em uma sociedade empenhada em se des-historizar, em negar até mesmo seus últimos vestígios de nascimento autêntico para absorver educadamente o estrangeiro, Figari empreende um retorno estranho e imprevisível a uma colônia imaginária. Se apoia nos grupos étnicos originais, nos escravos negros da colônia, nos grupos urbanos mais modestos, nos bailongos, no compadrito , nos boleros. [...]
[Sua obra] consiste em expressar [...] a rejeição da cordial acolhida da mediocridade burguesa e do sub-desenvolvimento fomentado pelos grupos de poder.[28]
4. Pedro Figari: nostalgias africanas
Em um ano dedicado às histórias afro-atlânticas, uma exposição de Pedro Figari no MASP não só reafirma a importância desse pintor para o modernismo latino-americano, como também chama a atenção para a rica herança das populações africanas no Uruguai — em geral pouco conhecida, mesmo em países vizinhos, como é o caso do Brasil.
Pedro Figari: nostalgias africanas se desenvolve em seis conjuntos temáticos que, na medida em que desdobram o tema do cotidiano, conferem solidez e complexidade à comunidade retratada. O primeiro conjunto traz uma profusão de danças e festividades, começando com as representações de candombes, as danças emblemáticas das populações afro-uruguaias e da obra de Figari.[29] Muitas pessoas dançam em grupo, com movimentos tão sinuosos como as pinceladas, que dão ritmo às composições e também a sensação de algo que não existe mais, de uma cena evocada pela memória. Em algumas delas, vemos o interior de casas, decoradas com um colorido painel geométrico. Em outras, as pessoas dançam sob a luz do luar e os vários matizes de azul do céu de Figari.
A obra que nomeia a exposição, Nostalgias africanas (sem data), também retrata uma cena de candombe. Há um músico que toca seu tambor bem no centro da pintura e a divide em dois planos, através de uma simetria imprecisa: à direita há um homem e à esquerda, uma mulher, cada um rodeado por duas pessoas que acompanham o ritmo dadança. Se a ideia de nostalgia carrega em si a própria idealização do passado, a distinção entre lembrança e imaginação torna-se tão imprecisa quanto a pintura. Um procedimento semelhante se dá em Candombe bajo la luz de un farol [Candombe à luz de uma lanterna] (sem data), em que se vê um casal com mais destaque ao centro e várias pessoas que o rodeiam, num movimento sinuoso.
Na verdade, parece haver, nessas cenas, uma dupla nostalgia: a de Pedro Figari, que retrata um passado supostamente feliz de seu país, e a dos próprios personagens, saudosos das terras africanas de onde foram retirados à força, e que, de alguma maneira, rememoram através da dança. O conjunto apresenta também uma cena de pericón e uma de bailongo. Ainda que ambas aconteçam de maneira coletiva, a céu aberto e num grande pátio, essas danças se apresentam com diferentes características. A primeira remete a uma espécie de contradança ou quadrilha; enquanto a segunda, formada por casais — inclusive de mesmo sexo, à esquerda — que dançam abraçados, evoca o nascimento do tango, palavra proveniente, para muitos pesquisadores, do Congo. Em Bailongo (circa 1925), muitas cores dão ritmo à pintura. Abaixo, à esquerda, uma mulher toca sua sanfona, enquanto no parapeito um homem procura algo, inquieto. Por sua vez (e como se aquele fosse um acontecimento banal), um gato olha o céu, indiferente. Talvez seja difícil acreditar que a vida dos descendentes de africanos tenha transcorrido de maneira tão tranquila e alegre no Uruguai, embora certamente as danças nos pátios existiram e existem.
O segundo conjunto traz outras representações festivas, retratando o Dia de Reis, comemoração híbrida que mistura a celebração católicados reis magos em pleno carnaval, em que os negros caminham em cortejo de tambores até a casa do governador local, numa irônica reivindicação de direitos sociais. Há duas pinturas horizontais que criam uma espécie de narrativa deste trajeto, percorrido por várias carroças puxadasa cavalo, ao lado de pessoas que seguem a pé. A dança ganha as ruas da cidade e assume um caráter eminentemente político, embora só tenha espaço oficial em 6 de janeiro, segundo o calendário católico. Em seguida, as cenas que compõem o terceiro conjunto se passam no interior dos conventillos, cortiços, habitações coletivas que floresceram em Montevidéu entre o final do século 19 e início do 20, e que representaram verdadeiros centros comunitários e de resistência entre seus habitantes.
Nos pátios, além de dançarem o candombe, as pessoas conversam, brigam, descansam e aproveitam as manhãs. É como se a própria vida se descortinasse através de pequenas cenas cotidianas: um velho de bengala caminha entre as casas, as cozinheiras tiram alguns minutos de folga, cachorros vadiam pelos terrenos, e três homens, sentados em seus banquinhos, elaboram uma tramoia. Nesta última pintura, os três personagens parecem conversar distraidamente e não há nada que indique um Complot criminal [Trama criminosa] (circa 1930). Mas, por meio do título, Figari provoca no próprio espectador a vontade de criar histórias fictícias e imaginar o que poderia estar acontecendo ali.
No quarto conjunto estão os casamentos. Há uma pintura que mos-tra os noivos, a cavalo, indo em direção à cerimônia. A festa de casa-mento, representada num cartão horizontal, traz uma cena de cores muito alegres e variadas, com a característica pincelada instável de Figari, que alude a uma atmosfera de sonho e reúne várias pessoas elegantes. As estampas dos tecidos, os babados, as cartolas e a textura da parede formam um mesmo conjunto que sugere a coesão da comunidade. Em outra pintura, construída com manchas de tinta vermelha, ocre e cor-de-rosa, um casal de negros se beija e se prepara para a lua de mel, numa casa suntuosa e abastada. Seus amigos e parentes, vestidos com elegância, deixam o quarto e completam mais uma cena do cotidiano, que o pintor imaginou.
As solenidades fúnebres foram muito importantes para a tradição uruguaia de raízes africanas. Elas também se desenrolam em grupo e trazem a música de tambores como pano de fundo. Este é o tema do quinto conjunto: como uma narrativa, nas pinturas de Figari, as pessoas velam seus entes queridos, descem os caixões pelas escadas, decidem quem carregará o morto e finalmente enterram-nos em campo aberto, sob a luz da lua. Em La vida [A vida] (circa 1925), o título irônico descreve uma cena de velório, e várias pessoas prestam homenagem ao ente querido, que repousa à direita, rodeado de velas. No primeiro plano, um homem toca seu tambor, solene, vestido de fraque. O Entierro[Enterro] (circa 1924) que se segue também é acompanhado de música e se desenrola do lado de fora do cemitério — reforçando a segregação social entre brancos e negros, também na hora da morte, embora o pintor não os retrate com o sofrimento dos excluídos, como faz, por exemplo, Candido Portinari (1903 -1962), em Enterro (1940, coleção particular) ou Enterro na rede (1944, MASP).
No sexto conjunto estão algumas representações da escravidão, vigente durante o período colonial, tão funesta quanto a própria morte. As pinturas, no entanto, parecem retratar um cotidiano quase sem conflitos: vemos pessoas negras servirem seus senhores brancos em casas elegantes, como em Misiá Augustina [Sinhá Augustina] (sem data), ou acompanharem uma senhora de elite até a missa, alguns passos atrás dela, em Toque de oración [Toque de oração] (sem data). Diminutas, essas pessoas não esboçam qualquer reação ou constrangimento, inserindo-se numa atmosfera imprecisa. Mas há também uma grande festa, em quese dança através das pinceladas e se comemora a abolição do sistema escravista que se deu, no Uruguai, em 1842.[30] Passados mais de oitenta anos de sua fatura, as pinturas de Pedro Figari formam um conjunto precioso para o imaginário das populações afro-uruguaias, na medida em que criam uma memória comum e utópica para essas pessoas que sofreram tanto em território americano. E justamente por ser utopia, nostalgia, esse imaginário tão fluido e “invertebrado” como as manchas de cor, parece indicar, ainda hoje, um desejo de futuro mais comunitário e menos desigual, não só para o Uruguai, mas para toda a América Latina.
Notas
[1] FIGARI, Pedro. “Una carta de Pedro Figari”. La Pluma, Montevidéu, ano 1, n. 3, nov. 1927, pp. 29 -30. ICAA Record ID: 1197040. (Vários documentos referidos nesse textoestão no arquivo digital do InternationalCenter for the Arts of the Americas, Museumof Fine Arts, Houston [ICAA/MFAH], nos Estados Unidos, e possuem um númerode registro para futuras pesquisas, indicado nas notas de rodapé, daqui em diante, como “ICAA Record ID: #”).
[2] TRABA, Marta. “Historia abierta”. América: mirada interior. Figari, Reverón, Santa María, pp. 7 -13. ICAA Record ID: 1107039.
[3] A ideia de nostalgia remonta à Odisseia de Homero, escrita por volta do século 8 a.C., e faz referência à volta do herói Ulisses à ilha de Ítaca, na Grécia, dez anos depois da Guerra de Troia. Trata-se do tema da “volta para casa”, em que a memória de um lugar feliz do passado se constrói a partir da idealização desse mesmo passado. Ao retornar, Ulisses só é reconhecido por seu cachorro, Argos. Ver HOMERO. Odisseia. São Paulo: Editora34, 2011, Livro17, pp. 505 -40.
[4] IBÁÑEZ, Roberto. “La cultura del 900”. Enciclopedia Uruguaya, n.31. Montevidéu: Editores Reunidos/Editorial Arca,1969, p.18. Disponível em: <http://anaforas.fic.edu.uy/jspui/handle/123456789/6861>. Acesso em: 5.4.2018.
[5] ARDAO, Arturo; ROUSTAN, Désiré. “Figari filósofo, pintor, poeta”. Revista Nacional, segundo ciclo, ano 6, n. 208, dez.1925. ICAA Record ID: 1218493.
[6] BORGES, Jorge Luis. Figari. Buenos Aires: Editorial Alfa, 1930, p.10. ICAA Record ID: 732858.
[7] Idem, ibidem.
[8] ZAFFARONI, Raúl. “Para una aproximacióna Figari”. Jaque, n. 84, Papeles de la Fundación Ángel Rama, 26.7.1985. Disponível em: <http://anaforas.fic.edu.uy/jspui/handle/123456789/11962>. Acesso em: 3.5.2018.
[9] BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito dehistória”. In:LOWY, Michel. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005.
[10] MIOMANDRE, Francis. “Le maté chez Figari”. Bulletin de la Vie Artistique, ano 7, n. 6, 15.3.1926, pp. 88 -89. Disponívele m: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6110991n/f 5.image.r=%22pedro%20figari%22>. Acesso em: 31.3.2018.
[11] FLO, Juan; PELUFFO LINARES, Gabriel. Pedro Figari 1861 - 1938. Montevidéu: Museo Municipal Juan Manuel Blanes, 1999, p.42.
[12] BENJAMIN, Walter. Teses “Sobreo conceito de história”. Obras escolhidas. Vol.1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987, pp. 222 -32. Ver também GAGNEBIN, Jeanne-Marie.“Verdade e memória do passado”. Projeto História, São Paulo, n. 17, nov. 1998.
[13] Id., ibid.
[14] Baseando-se nas ideias do racismo científico do século19, vários países latino-americanos, incluindo o Uruguai, implementaram políticas que visavama miscigenação e o branqueamento da população, através de incentivos públicos à imigração europeia. Sobre o assunto, ver ANDREWS, George Reid. América afro-Latina. 1800-2000. São Carlos: EdUFSCar, 2007, especialmente o capítulo 4: “‘Uma transfusão de sangue melhor’. O branqueamento, 1880 -1930”, pp.151 -86.
[15] SUPERVIELLE, Jules. Poète intime et légendaire. Paris: Bibliothèque nationale deFrance, 1984, p. 26. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6536555s/f 7.image.r=%22pedro%20figari%22>.Acesso em: 31.3.2018.
[16] TOMEO, Daniela. “Pedro Figari y la ciudad batllista. Reflexiones de un kirioen movimiento”. In:ROMANO, Antonio; MORENO, Inés (orgs.). Pedro Figari: el presente de una utopía. Montevidéu: Facultad de Humanidades y Ciencias dela Educación, Universidad de la República, 2016, p.15.
[17] A historiadora da arte Michele Greet, num estudo abrangente sobre o assunto, diz que mais de trezentos artistas latino-americanos viveram e trabalharam em Paris entre1918 e1939. Ver GREET, Michele. Transatlantic Encounters. New Haven/Londres: Yale University Press, 2018. Entre tantos outros nomes, podem ser citados: Tarsila do Amaral (1886 -1973), Emiliano Di Cavalcanti (1897 -1976), Vicente do Rego Monteiro (1899 -1970), Joaquim do Rego Monteiro (1903 -1934), Anita Malfatti (1889-1964), Joaquín Torres-García (1874 -1949), Diego Rivera (1886 -1957), Roberto Matta (1911 -2002) e Eduardo Abela (1889 -1965); entre os artistas vindos do leste da Europa, da Rússia e do Japão estão Jacques Lipchitz (1891 -1973), Chana Orloff (1888 -1968), Marie Vassilieff (1884 -1957), Marc Chagall (1887 -1985), Natalia Goncharova (1881 -1962) e Tsuguharu Foujita (1886 -1968).
[18] Em 1923, também na capital francesa, foi inaugurada a Maison de l’AmériqueLatine; em 1924 houve a Exposition d’Art Latino-Américain (ainda não do “grupo”), e em 1930, a já citada exposição da galeria Zak — quase cinquenta galerias da cidade apresentaram pelo menos uma exposição dedicada a artistas latino-americanos (ver GREET, Michele. Op. cit., cap.5). Circulavam também periódicos importantes, como a Revue de l’Amérique latine, que durou dez anos, entre 1922 e 1932; France-Amérique, publicado entre 1910 e 1940, além de outros mais efêmeros, como o Bulletin de l’Amérique Latine (1921) e a Revue de l’Amérique latine Illustré (1932). Disponível em: <http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb34398471v>. Acesso em: 3.5.2018.
[19] Para citar outro exemplo além de Figari, de uma artista em busca das “raízes nacionais”, a pintora Tarsila do Amara lescreve em uma carta aos seus pais, em 1923, recém-chegada à cidade: “Como agradeço ter passado na fazenda a minha infância toda. As reminiscências desse tempo vão se tornando preciosas para mim. Quero, na arte, ser a caipirinha de São Bernardo, brincando com bonecas de mato, como no último quadro que estou pintando”. Ver BATISTA, Marta Rossetti. Os artistas brasileiros na Escola de Paris: anos 1920. São Paulo: Editora34, 2012, p. 384.
[20] O próprio Figari se refere aos africanos escravizados como “submissos, leais e bons”, e que “vão radiantes à casado senhor, [para] servi-lo”. FIGARI, Pedro. El arquitecto. Paris: Le Livre Libre, 1928, p.109. Disponível em: <http://www.museofigari.gub.uy/innovaportal/v/11558/20/mecweb/el-arquitecto?contid=11552&3colid=6227>. Acesso em: 28.5.2018.
[21] O que não quer dizer que não perceberam o tratamento desigual. Figari, em9 de novembro de 1932, escreve a um amigo uruguaio: “[...] Agora, veja: gostaria de enfatizar a um amigo [e] compatriota o que isto significa não só como [sendo] uruguaio — ou seja, ser um artista desprezível, segundo o conceito atual, por sua tendência imitativa —, mas como artista que mostrou algo que obtém de imediato a carta de honra da cidadania europeia como pintura original [...] etc. etc.”. Carta de Pedro Figari ao escritor Eduardo Salterain y Herrera (1892 -1966), citada em PEREDA, Raquel. Pedro Figari. Vida y pasión. Montevidéu: Cruz del Sur/Linardi y Risso, 2016, p.244.
[22] COGNIAT, Raymond. “Abela” (La vie artistique). Revue de l’Amerique Latine, Paris, n. 85, 1.1.1929, pp. 73 -74. Em 1924 —um ano antes da chegada de Figari —, o crítico francês já notava a presençados artistas latino-americanos e encorajavaque buscassem “meios de expressãoque lhes sejam próprios”. COGNIAT, Raymond. “Exposition d’art américain-latin au musée Galliéra”. Revue de l’Amérique latine, Paris, n. 29, 1.5.1924, p. 434.
[23] Lhote curiosamente ignora o fato deque vários artistas “natos” como Antonio Berni (1905 -1981) e Tarsila do Amaral foram, justamente, seus alunos. LHOTE, André. “Exposition Pedro Figari” (Les Arts). La Nouvelle Revue Française, Paris, n.123, 1.12.1923, p. 772.
[24] WARNOD, André. “L’Exposition Pedro Figari”. Comœdia, Paris, 18.10.1925. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k7649900v/f 3.image.r=pedro%20figari>. Acesso em:23.4.2018.
[25] Citado em SUPERVIELLE, Jules. Poète intime et légendaire. Paris: Bibliothèque nationale de France,1984, p. 25.
[26] LEROY, Louis. “L’Exposition des Impressionnistes”. Le Charivari, Paris, 25.4.1874.
[27] TRABA, Marta. Op .cit. ICAA Record ID: 1107039.
[28] Id., ibid.
[29] Para mais detalhes sobre o candombe, seus aspectos sociais e históricos, ver, neste catálogo, o texto de Olga Picún,“O candombe e as cenas de Pedro Figari: diálogos entre o passado e o presente” ,às páginas 124-37.
[30] No Brasil, somente depois de 46 anos o sistema escravocrata foi abolido, e com isso o país recebeu o título nada lisonjeiro de ser o último que decretou o fim dessa instituição nas Américas — além de ter sido aquele que recebeu o maior contingente de pessoas escravizadas. Sobre o assunto, ver, entre outros, SCWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (orgs.).Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.