Camadas
30 de abril - 29 de maio de 2022
Galeria Tato, São Paulo
Artistas: Caíque Costa, Consuelo Vezarro, Eliane Gallo, Federico Guerreros, Justino, Liane Abdalla, Lucas Quintas, Lucy Copstein, Márcia Rosa, Patricia Lopes, Renata Sandoli, Sara Bittante, Sofia Saleme e Sheila Ortega.

Camadas
A exposição inaugural da Casa Tato 5 tratou de encontros, ao mesmo tempo estimulantes e fortuitos, entre os 14 artistas participantes do programa. Seis meses depois, há o acúmulo de experiências, trocas e novas possibilidades, como se fosse serapilheira — a camada fértil de matéria orgânica que se deposita e se decompõe no solo da floresta. Camadas traz um conjunto de reflexões sobre aquilo que nos cerca e que nos é constitutivo: natureza, comunidades e parcerias, húmus, água, nutrientes.
Quatro espelhos bastante comuns de Caíque Costa recebem os visitantes para a exposição, indicando que, de alguma maneira, fazem parte dela. Ao lado, Liane Abdalla apresenta pinturas e desenhos sobre madeira, que mimetizam seus veios: obras em que a matéria é mais que suporte. Sara Bittante representa todo o universo que há embaixo d’água e também os organismos que insistem em sobreviver em meio à destruição, dialogando com uma tradição construtiva da arte brasileira; Márcia Rosa chama de Plástico uma aquarela com peixes, ao mesmo tempo exuberantes e com a aparência de estarem mortos; investiga fragmentos de uma árvore e imprime flores numa prensa que, iluminadas criam um estranho organismo. Nas pinturas de Consuelo Vezarro, formas geométricas parecem dançar no espaço, fluidas, feitas de pigmentos naturais. Juntas, as obras do mezanino formam um conjunto de visões sobre a natureza — real e imaginada —, sugerindo algo incompleto, em constante transformação.


Na primeira sala, a questão humana é abordada de maneira mais evidente, mas igualmente incompleta, com os interiores vazios de Federico Guerreiros, nos quais a luz entra sem que ninguém as veja; as fotografias-montagens de Caíque Costaque registra os passos na areia, marcas que rapidamente se apagam na paisagem. Lucas Quintas convida os espectadores a moverem os pesos suspensos, criando desenhos no espaço. Um pequeno São Jorge de Justino e um grande painel de pessoas imaginadas, trazem reflexões sobre saúde, bem-estar, medos e dúvidas, sentimentos aguçados pela recente pandemia. Esculturas moles e diáfanas de Eliane Gallo parecem suspender, ainda mais, as certezas. A materialidade das obras opera como uma metáfora para as camadas de tempo e dememória.

Na segunda sala, há um mergulho nas entranhas do corpo, físico e social. Sofia Saleme trata de acidentes, adoecimento e resiliência. A folha de ouro nos desenhos remete à tradição japonesa de lidar com o imperfeito, comas fraturas que se acumulam ao longo da vida. (Mas, no Brasil, como não pensar no acúmulo de mercúrio que o garimpo de ouro promove, nos corpos já fragilizados, nas águas, nos animais?) Lucy Copstein traz reflexões sobrea história, que não é universal, mas fragmentada — e muitas vezes violenta —, inscrita em objetos cotidianos e (aparentemente) banais. Lucas Quintas entrelaça fios coloridos de polipropileno para criar ilusões ópticas, em queas cores se misturam apesar de permanecerem intactas. Há outras duas obras de Liane Abdalla , que trazem o movimento vivo do interior da madeira; Patrícia Lopes rememora uma viagem à África do Sul, em camadas de pinturas, texturas e transparências, como se aquela experiência se tornasse pele.

Ao final, Sheila Ortega materializa o acúmulo fértil e instável: empilha objetos de várias naturezas numa instalação que estabelece relações com o entorno. Objetos encontrados no bairro e oferecidos pelos artistas da Casa juntam-se àqueles acumulados ao longo do tempo. Apesar de efêmera, a obra também se fixa em pintura, criandoum estranho rebatimento, como um espelho distorcido. Renata Sandoli reflete sobre a vida interior das mulheres eo contraste com sua existência na superfície das imagens. Não por acaso, elas são jovens, magras e brancas, comonas capas de revista. Nesta última sala, há outro trabalho com os fios coloridos de Lucas Quintase também outra pintura da série Á
frica, dePatrícia Lopes. Em ambos os casos, há um sutil deslocamento de significado, que se estabelece a partir das relações entre as obras, que nunca existem isoladas do mundo e daquilo que as cerca.
Camadas sugerem que as relações entre obras, pensamentos, pessoas, animais e objetos interagem constantemente,e que nenhum significado é inequívoco. Mostra o resultado de seis meses de trabalho dos artistas e aponta para novas possibilidades de arranjos; futuras camadas que também se assentarão no solo fértil.
Fotos: Paulo Pereira