Mariana Leme
exposições 
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Arranjos (segunda versão)
6 a 13 de maio de 2017
SAO Espaço de Arte, São Paulo

Artistas: Mano Penalva, Sérgio Pinzón e Yuli Yamagata



Este pequeno texto acompanha a exposição-sala-de-estar [...] foi escrito a partir de recortes de Adolf Loos, Ornament and Crime, 1908; Jack Smith, Statements, “Ravings” and Epigrams, sem data; Susan Sontag, Notes on Camp, 1964; Anna Maria Maiolino, entrevista a Helena Tatay, 2012; Jean Cocteau, Le Livre Blanc, 1927 e David J. Getsy, Queer Intolerability and its Attachments, 2016.

Libertar-se do ornamento é um sinal de força espiritual. (Adolf Loos, 1908)

— Se é que havia alguma coisa boa em Roma, eram os banhos, não os tribunais. (Jack Smith, sem data)

Muitas coisas no mundo não foram nomeadas; e muitas coisas, mesmo que já tenham sido nomeadas, nunca foram descritas.Nomear uma sensibilidade, desenhar seus contornos e recontar sua história requer uma afeição profunda, modificada pela repulsa. (Susan Sontag, 1964)

Como nomear uma sensibilidade? Como desenhar seus contornos?

As [minhas] obras dos anos 1960 eram motivadas por situações e vivências próximas, como o cotidiano da mulher. Embora para alguns críticos daquele momento o tema fosse prosaico, banal e óbvio. Era um tema socialmente desqualificado, e continua sendo... (Anna Maria Maiolino, 2012)

O prosaico, o banal e o (aparentemente) óbvio são ainda desqualificados socialmente em oposição aos padrões da alta cultura: a verdade, a beleza, a seriedade. O espaço doméstico está contaminado, tanto pelo ornamento, quanto pela presença histórica da mulher. (A própria ideia de ornamento tem algo de fútil.) E o espaço doméstico, portanto, é algo pouco sério, impuro, anticientífico — quem sabe o lugar da “fraqueza espiritual”, como gostaria o arquiteto. Não é um espaço sério para apresentar uma exposição de trabalhos de arte. É quase intolerável.

“Mas eu não concordarei em ser tolerado. Isto prejudica meu amor ao amor e à liberdade.”
A diferença deveria ser difícil. Ela não deveria ser mesquinhamente admitida e marginalizada, tampouco sua vontade desaparecer em alguma fantasia de um “normal” expandido e mais inclusivo. Ser intolerável é desafar o normal, o natural e o comum. Fazê-lo não é buscar inclusão, mas recusar-se a aceitar qualquer operação de exclusão e apagamento que formam o normal e que postula uma igualdade compulsória. (Jean Cocteau, 1927 e David J. Getsy, 2016)

O espaço doméstico, impuro, marcado pelo corpo, conforma também a ideia de espaço público. A política passa primeiro pelo corpo.
Não é uma lâmpada, mas uma “lâmpada”; não uma mulher, mas uma “mulher”. [ ... ] Ser-como-Desempenhar-um-Papel. Esta é a maior extensão, na sensibilidade, da metáfora da vida como um teatro. (Susan Sontag, 1964)

Recordo que em nosso loft no Bowery, em 1970 , um jornal do Brasil, não me lembro qual, fez uma reportagem sobre os artistas brasileiros que estavam vivendo em Nova York naquele momento. Estavam Hélio Oiticica, Amílcar de Castro, Ivan Freitas, Roberto De Lamonica e, claro, meu próprio marido, Rubens Gerchman. Ninguém me convidou para participar da reportagem e me coube passar a bandeja com o café. (Anna Maria Maiolino, 2012)

A experiência do sensível escapa à vontade de pureza do conhecimento teórico e ao ofício da qualificação em categorias e taxonomias. Está impregnada. Mas a política passa também pelo corpo.